Não foi a carta vencedora mas foi escrita com o coração e ficou linda. A autora desta carta, enviada para o concurso de cartas promovido pelos CTT (este ano subordinado ao tema da música), é da autoria da Catarina Oliveira, 7ºC.
Arrifana, 13 de
janeiro de 2014
Querida guitarra
clássica:
Nunca me esquecerei do dia
em que entrei na loja para te comprar. Vi tantos instrumentos e, nesse momento,
sonhei que era perita em música e saberia escolher facilmente o instrumento
perfeito. Comecei a tocar em todos eles, a roubar-lhes sons, e a minha mãe
deu-me um raspanete por ter medo que eu estragasse algum. Então, dirigi-me ao
setor das guitarras. Todas lindas, mas nenhuma me despertou um interesse
especial. Foi então que te vi. Parecia que me chamavas e nasceu ali um amor
musical, um amor à primeira vista. Não me contive e peguei-te. Comecei a
tocar-te e tu nem desafinavas, era como se eu já conhecesse todos os teus
recantos.
A minha mãe conversava com
o vendedor e eu disse-lhe que era a ti que eu queria, eras tu a minha eleita.
Quando ela viu o preço, assustou-se. Eras muito cara e eu deveria procurar
outra mais barata.
Mas eu apaixonei-me no
momento em que te vi e não poderia deixar-te na loja. Então, recorri ao
dinheiro que tinha tirado do meu mealheiro, às escondidas, e disse ao vendedor
que era a ti que eu levava. A minha mãe enfureceu-se um pouco e afirmou que não
te pagava. Peguei no dinheiro e gastei-o todo contigo. Mas valeu a pena, não me
arrependo de nada.
O tempo foi decorrendo, lentamente,
e o nosso amor aprofundou-se. Aprendi a conhecer todos os teus segredos e a
música saída das tuas cordas sempre me fez esquecer o mundo.
Ainda me lembro do nosso
último concerto. A sala engalanada estava cheia e o público calado, tão calado
que eu me esqueci que lá havia gente. Para mim, naquele momento, só tu e eu, em
harmonia, existíamos.
A melodia ocupou todo o
espaço e eu senti-me nas nuvens. Parecia que tinha acabado de chegar a outro
mundo onde a maldade não existia, como se só houvesse música e felicidade.
Senti uma tranquilidade enorme e uma forte ligação entre nós as duas. Fizeste-me
esquecer tudo, todos os meus problemas, angústias e frustrações. Contigo, eu
podia desabafar, esvaziar a alma, começar do zero. Podia até ficar ali para
sempre. Alimentava-me de ti.
A música que sai do teu
corpo traz-me alegria, (por vezes, alguma tristeza), oferece harmonia à minha
vida, dá-lhe sentido e todos esses sentimentos são bem-vindos. Sim, a música
tem esse poder: lava-nos o corpo e o espírito.
Para mim, os compositores
não são pessoas comuns que inventam partituras. Os compositores são anjos! Mas
não são anjos comuns. São anjos especiais que me dão a música que eu toco no
teu corpo. São anjos que brincam com os sons e me convidam a entrar na brincadeira.
Eles criam melodias lindas e eu divirto-me a fazer-te cócegas. Sem eles, não
teria música e não seria feliz.
Sim, eu sei! Sei que a
música está em todo o lado, não está apenas nas pautas. Está nas palmas que
ouço no final dos concertos; está na canção do vento e na dança das folhas das
árvores; está nas ondas que batem na areia; está nas asas de uma gaivota que
voa em liberdade e na voz das aves que chilreiam no parapeito da minha janela.
E está, também, na minha voz. A voz é um lindo instrumento, não achas?
E, por falar nisso,
conheces aquela velha adivinha que é assim: “Que instrumento pode ser ouvido
mas não pode ser visto nem tocado?”
A resposta é a voz, claro!
Quando alguém canta, a voz pode ser ouvida mas ninguém a vê; mesmo sabendo que
está por todo o lado, ninguém lhe pode tocar.
Eu posso tocar-te mas já
não o faço há muito tempo. Estou com muitas saudades de tocar contigo numa sala
de espetáculos. Bem sei que estás um pouco zangada por eu não te pegar mais
vezes, ultimamente. Mas não posso! Continuo a adorar-te mas, cresci e tenho
mais trabalho a cumprir. Encontrei um amigo teu, um violino, para poder
frequentar o ensino articulado de Música pois, na minha escola, não há aulas de
guitarra clássica. Ter aulas fora da escola, no ensino privado, está fora de
questão pois estão cada vez mais caras e eu não me posso dar a esse luxo. Ainda
não sei tocar muito bem e tenho de praticar muito uma vez que é o violino que
me vai dar as notas escolares, no final de cada período. Serão outras notas e
outras pautas mas, se praticar bastante, também me darão harmonia!
Se eu pudesse aprender e
tocar todos os instrumentos do mundo! A música que sai dos vossos corpos
influencia o meu ser, dá-me calma para enfrentar os problemas.
Preciso que voltes para a
minha vida, preciso de ti e da tua melodia para ter sossego.
Um abraço bem apertado da:
Catarina
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